segunda-feira, 14 de julho de 2014

Os 80 anos da Tia Lica



     Filhos nascidos dela mesma foram 6:  Benedito, Raimundo, Regina, Cida, Clarice e Alice, mas são muitos os que ela adotou, cuidou, criou, orientou e mostrou o mundo.
     Minhas memórias não conseguem voltar muito atrás, mas o que me lembro é de uma mulher forte, com liderança aprendida da necessidade, falante, boa negociadora, ímpar como gerenciadora de conflitos, mulher de atitude e de fibra.
      O pouco estudo e letramento não foram suficientes para colocar-lhe barreiras na vida. Criou e estudou os filhos, deu de comer e de vestir a eles e a muitos agregados que chegavam às suas portas. Trabalhou duro, incentivou o crescimento de muita gente, pôs juízo na cabeça de muitos.
      Sempre altiva e autoritária, não dava muitas brechas ao acaso. Decidia, mandava, imperava em sua casa, com os filhos e demais pessoas da vizinhança. Até hoje sabe debater e argumentar muito bem e é capaz de ganhar as discussões com poucas palavras.
     Sua casa era grande no tamanho e no aconchego, estava sempre cheia, muito falatório, assunto que não acabava mais. Um lugar quente, acolhedor, que fartava de colo e ensinamentos.
      Ensinamentos vindos das conversas, das orientações e até das broncas. Broncas, muitas broncas nos filhos, às vezes teimosos, nos sobrinhos que saíam fora do trilho, na molecada da vizinhança que não parava de fazer arte e causar aquelas brigas comuns da infância,  nos funcionários que não trabalhavam direito.
      Ensinamentos vindos dos aconselhamentos e que se revelavam importantes quando adentrávamos em sua sala e nos deparávamos com uma longa estante repleta de livros. Ali ficava um mundo de conhecimentos e possibilidades  que levava a mim e a tantos outros para além das fronteiras da fazenda onde morávamos. Aprendi muito ali, com os livros e com ela.
     Ela mesma aprendeu a gostar de ler. Muitas vezes ao chegar em sua casa, lá estava ela com os livros na mão. É bem verdade que a enxada e os livros  moldam as pessoas para o bem. Disso não tenho dúvidas.
      Em minha memória também recordo das festas em sua casa. Almoços de domingo, amigos secretos, festas de Natal e comemorações juninas são as maiores lembranças.
      Dos almoços de domingo lembro da mesa longa, coberta por toalhas coloridas, cheia de comes e bebes e todos sentados em volta. Alguns descansando na grama. Dos amigos secretos, a lembrança vem das risadas e ironias na hora da revelação. Dos Natais, recordação da árvore enfeitada com lâmpadas coloridas e com as iniciais FSI. Das festas juninas, as rezas, o levantamento do mastro com os três santos abençoando a festança, pau de sebo, a fogueira, as danças e as músicas.
      Fazer festa sempre tem um significado de abrir-se para as pessoas, de ser receptivo às amizades, de trazer as pessoas e as conversas para si e dar-lhes acolhimento. Deve ser também por isso que ela, em qualquer idade que tivesse, sempre soubesse receber e acolher as pessoas.
      Imagino quantas vivências guarda a sua memória: ganhos e perdas, alegrias e tristezas, festas e lutos, risos e choros, momentos de ser fortaleza e momentos de ser escombro, de onde ensinou o maior exemplo de todos: saber se reerguer e recomeçar.
      Parabéns Tia Lica, por  extrair saberes e aprendizagens das mais simples experiências.
      Parabéns por ter compartilhado os seus conhecimentos comigo e com tanta gente.
      Parabéns por ter sido esteio e fortaleza para tantos que aportaram em sua casa.
      Parabéns por estar presente por tantos anos em nossas vidas.

                                                                               Maria Rosângela da silva


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