sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A cristaleira da minha avó

A cristaleira da minha avó
Rosângela Silva

     Algumas imagens adormecem em nossas memórias e são despertadas de repente quando situações da vida real a convocam. Dia desses, visitei a casa da minha tia Maria, onde muitos objetos da minha avó materna se encontram e sentei-me na mesa para o café da tarde. Num instante meu olhar parou em frente à velha cristaleira e meu pensamento voou ao passado.
     Cristaleiras são móveis mágicos, encantadores. Guardam coisas de valor, taças e copos especiais, suvenires trazidos de alguma viagem, mimos recebidos de alguém especial, miniaturas vindas de algum lugar. Cristaleiras adornam nossa casa e nossas emoções.
     Recordei então momentos da infância, quando aqueles pequenos objetos contidos pela cristaleira, guardados nela como preciosidades, me encantavam e me faziam mergulhar num mundo de fantasias sem igual.
       Hipnotizada por eles, meu olhar captava um por um. Em cada objeto uma viagem fantástica. Um jogo de café, com desenhos de flores azuis, hoje sem mais as xícaras que o acompanhavam, feitas em cacos, ao longo do tempo. Uma jarra de suco com seis copos com borda dourada, que eu acreditava ser desenhada realmente com ouro.
      Bichinhos de louça. Muitos deles: três gatinhos e três patinhos idênticos, galo, cachorrinhos muitos, um elefante vermelho, um burrinho de madeira carregado de lápis de cor.
      Muitas jarrinhas também de louça, copos e xícaras de diferentes tamanhos e diversos modelos.
      A cristaleira da vó Mariinha ficava na sala de uma casa com várias quartos, cozinha grande, copa, alpendre, janelas e portas amplas e chão assoalhado de madeira, à disposição de todos, mas permanecia trancada sempre. Só podíamos contemplar suas maravilhas do lado de fora, era como o fruto proibido.
      Antigamente as cristaleiras simbolizavam luxo e sofisticação. Eram símbolos de respeito e cuidado estabelecidos às crianças. Deve ser por isso que hoje embelezam as casas dando sensação de conforto, calor e aconchego.
      Da vó Mariinha, além da recordação da cristaleira, também é forte a lembrança das suas rezas diárias embaixo de cada oratório e imagens sagradas que ficavam expostos em  sua sala e do calor aconchegante das suas colchas de retalhos que me acolhiam nas manhãs geladas do inverno, quando eu despertava cedo do meu colchão de palha e corria para sua cama. Ali me aguardavam duas ou três balas doces debaixo do travesseiro e um aconchego caloroso, inesquecíveis.



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